1/06/2012 | N° 11406
PEPE VARGAS
CEM DIAS EM BILHÕES
Ex-prefeito aborda com desenvoltura os números superlativos do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que lida com 4,3 milhões de agricultores familiares e 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. “A reforma agrária é o nosso menor trabalho aqui”, revela
Caxias do Sul – A facilidade com que Pepe Vargas fala de bilhões dá uma dimensão ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) que ainda passa desapercebida para grande parte da população, em especial a urbana. Sob a alçada da pasta que o ex-prefeito caxiense comanda hoje pelo 100º dia estão 4,3 milhões de agricultores familiares, quase 1 milhão de assentados da reforma agrária e 70% dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro.
A desenvoltura com que discorre sobre ações, programas e linhas de crédito do MDA revela um Pepe totalmente adaptado e mergulhado na missão que Dilma Rousseff lhe incumbiu em março, virando a corrida eleitoral em Caxias de ponta cabeça.
Confira um trecho da entrevista concedida ao Pioneiro, em meio à extensa agenda da Rio+20 que impediu Pepe de passar o final de semana em Caxias e matar a saudade das “gurias” (as filhas Isadora e Gabriela e a mulher Ana Corso).
– A distância da família é o mais difícil de administrar – confessa.
Pioneiro: Quais as principais realizações destes 100 dias?
Pepe: Primeiro, as medidas emergenciais para mitigar os efeitos da seca no Sul e no Nordeste, a maior dos últimos 30 anos, e das enchentes no Norte. A segunda questão foi o recebimento das propostas e das reivindicações das entidades que representam os agricultores familiares, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar e a Via Campesina. Abril e maio são meses de mobilização, eles vêm em milhares de pessoas aqui, a gente senta, conversa, recebe a pauta e passa a trabalhar o atendimento dentro do governo. Tudo isso se materializa no Plano Safra 2012/2013, que anunciaremos no final deste mês ou começo de julho. A terceira questão foi a elaboração da proposta do governo para o Código Florestal, tema muito candente. Construímos junto com os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura e com a presidenta o veto à proposta aprovada na Câmara e a Medida Provisória para ocupar as lacunas do veto. Quarto, a organização para a Rio+20.
Pioneiro: Como é a relação com os movimentos sociais, como o MST?
Pepe: É importante dizer o seguinte: esse aqui não é o ministério da reforma agrária. É o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tem sob sua responsabilidade três grandes políticas no governo: a reforma agrária, o fomento e apoio à agricultura familiar e a regularização fundiária. A política nacional de reforma agrária é a que a imprensa mais fala, mas é nosso menor trabalho aqui. Por quê? Porque o maior volume de gente não está aí. Eu tenho 931 mil assentados e tenho 4,3 milhões de agricultores familiares para atender. Dos imóveis rurais no Brasil, 84% deles são de agricultores familiares.
Pioneiro: Qual o ritmo das desapropriações e assentamentos?
Pepe: No ano passado, 22 mil famílias foram assentadas. Este ano, vamos assentar em torno de 30 mil. Hoje, 11% do território brasileiro está ocupado por assentamentos agrários. Dias atrás emitimos R$ 200 milhões em títulos da dívida agrária para desapropriações. Depois de assentar, o Estado tem de fazer o desenvolvimento produtivo, as famílias têm de receber insumos. Temos assentamentos excelentes, que exportam, que produzem agroecologicamente. Mas temos assentamentos que não se desenvolveram porque foram colocados em terra com baixa aptidão agrícola e sem apoio. É um trabalho enorme. Vamos levar os projetos Minha Casa, Minha Vida, Água para Todos, Luz para Todos. Em uma ação conjunta do Incra, que é uma autarquia subordinada ao MDA, e do Ministério da Integração Regional, repassamos recursos ao governo do Rio Grande do Sul, que está perfurando poços para assentamentos antiquíssimos, em que aquele povo estava lá sem água.
Pioneiro: O que diferencia MDA e Ministério da Agricultura?
Pepe: O Ministério da Agricultura trabalha com a agricultura empresarial. Cuida do agronegócio. É responsável pela defesa agropecuária, pelo registro de bebidas e de alimentos, pela pesquisa agropecuária, a Embrapa está lá e cumpre papel importante, pelas políticas de estoques estratégicos. O agronegócio representa 16% dos estabelecimentos rurais brasileiros. Os 84% restantes estão na agricultura familiar, portanto, as políticas públicas de apoio a eles estão no nosso ministério. Na nossa região, 100% é agricultura familiar. É o censo agropecuário do IBGE quem diz: 70% dos alimentos consumidos pela população brasileira são produzidos pela agricultura familiar. E nossas políticas repercutem no urbano também. O MDA é um ministério de desenvolvimento econômico. Ao melhorar a produtividade, colocamos alimentos mais baratos e ajudamos a controlar inflação.
Pioneiro: Como desenvolver a agricultura familiar?
Pepe: Fundamentalmente, com crédito rural, pelo Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf). No crédito de investimento, a principal linha é o Pronaf Mais Alimentos, lançado em 2008. Financiamos até R$ 130 mil, dependendo da renda do agricultor. Ele tem 10 anos para pagar, até três anos de carência. A taxa de juros é 2% ao ano. A diferença entre o que o banco capta no mercado pela taxa Selic, que hoje é de 8,5%, e o que o agricultor paga, essa diferença quem banca somos nós. Outra linha de crédito é para custeio: até R$ 50 mil, para sementes, insumos, adubos. O juro hoje é de 4,5%. Tem muito agricultor que não pega e compra seus insumos, pois tem medo de ficar com dívida no banco. Se ele aplicasse o dinheiro dele na poupança e pegasse o financiamento, ele iria ganhar, pois a poupança remunera mais do que 4,5%. Tá, mas e se der uma zebra, uma seca, um granizo? Se houver perda, o seguro paga o financiamento no banco e ainda 65% da renda que ele iria ter, limitado a um teto de R$ 3.500,00. Também temos linhas de assistência técnica e extensão rural. Este ano vamos atender 450 mil famílias, diretamente, com nossos recursos. Falei de crédito, de assistência técnica, agora vem a comercialização. Este ano, induzimos compras governamentais de R$ 2,3 bilhões da agricultura familiar, pelo Programa de Aquisição de Alimentos, em que compramos estoques estratégicos, e pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Ministério da Educação.
Pioneiro: O que haverá de novo no Plano Safra?
Pepe: Vamos ter inovações importantes, que permitirão a um número maior de agricultores pegar o Pronaf. Vamos ampliar o enquadramento de renda, os tetos para financiamento de custeio e reduzir mais ainda a taxa de juros. Hoje é de 4,5%, e vai baixar. Outra questão importante: dar grande visibilidade para a assistência técnica na rota da sustentabilidade. É capacitar para a produção agroecológica e, àqueles que produzem de modo tradicional, estamos colocando em todos editais de chamada pública, a seleção da assistência técnica vai exigir o manejo sustentável, que envolve solo, água e insumos. O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo. Além do custo brutal para os agricultores, tem impacto ambiental elevadíssimo.
Pioneiro: Por que ações do ministério têm impacto na cidade e na indústria?
Pepe: O Mais Alimentos repercute na economia de nossa região. Sabes quantos tratores foram financiados entre 2008 e 2011? 44 mil, além de 4 mil caminhões ou veículos de transporte de carga e 300 colheitadeiras de grande porte. (O programa) Financiou R$ 8,5 bilhões, atendeu a 150 mil famílias. São 4 mil itens fabricados pela indústria. Todas essas compras viabilizadas pelo nosso crédito repercutem enormemente na economia de Caxias e região, que produz tratores, caminhões, autopeças e componentes para tudo isso. Nosso ministério, ao viabilizar esse crédito, põe injeção na veia direto na indústria. Compramos 1.275 retroescavadeiras e estamos doando para municípios com agricultura familiar forte. A licitação foi vencida por duas empresas: a JCB, de Sorocaba, e a Randon. Na sexta-feira, lançamos a portaria que abre processo de manifestação do interesse de municípios que tenham até 50 mil habitantes para receber retroescavadeiras. Vamos comprar mais 3.591. Vamos investir R$ 1,290 bilhão. Só na nossa região, 60 municípios podem se beneficiar. São ao todo 4.866 retroescavadeiras e 1.230 patrolas. Um total de 6.196 máquinas só esse ano, que vão atender 4.866 municípios. Dado muito importante: exigimos nessas licitações conteúdo nacional. Nenhuma máquina será importada. Queremos gerar emprego e renda na indústria brasileira. Nosso ministério melhora a vida no campo, mas gera um bocado de renda na cidade e de emprego na indústria também.
Pioneiro: Como manter o jovem no campo?
Pepe: Temos uma linha de crédito específica, o Pronaf Jovem, e o Programa Nacional de Crédito Fundiário. De 2003 a 2011, 93 mil agricultores financiaram compra de terra. Esse público, majoritariamente, é de jovens de até 28 anos. É aquele filho do agricultor que chega à vida adulta, vai casar e a terra da família é pouca para mais uma família produzir. Ele toma crédito, compra uma propriedade e cria uma nova unidade de produção familiar.
Pioneiro: O que é a Rede Brasil Rural?
Pepe: Um portal na Internet em que estamos cadastrando fornecedores de alimentos da agricultura familiar. Já temos mais de 500 associações ou cooperativas, que representam 200 mil agricultores, e a cada dia esse número aumenta. Lá tem todos os produtos que essas associações ofertam e cerca de 4 mil itens de insumos que fornecedores cadastram. As associações brasileiras de Supermercados e de Hotéis estão divulgando a Rede para seus associados. Por exemplo, uma grande rede de supermercados vai comprar o arroz orgânico de uma cooperativa de assentados da reforma agrária, perto de Nova Santa Rita, e colocar numa gôndola especial. É uma estratégia de comercialização.
Pioneiro: Isso vai crescer quando a internet atingir todo o meio rural. Hoje, não há sinal, por exemplo, em Criúva e Vila Oliva.
Pepe: Por isso, primeiramente, estamos pegando grupos associativos. Num segundo momento, à medida em que a banda larga for entrando, cada agricultor vai poder se cadastrar também. Nossa meta é chegar ao armazém virtual da agricultura familiar. Nós queremos que qualquer cidadão possa entrar no nosso portal e comprar. Como se fosse comércio eletrônico.
Pioneiro: Como é a relação com Dilma? Ela é crítica, dura e criteriosa como aparenta?
Pepe: Sim, ela é exigente, ela quer saber a consistência da proposta que tu levas para ela. Não basta ter ideia boa. A ideia é boa? Quanto custa? Qual é o benefício? Quem será beneficiado? Como será a operacionalização? Como será o monitoramento?
Pioneiro: Dilma já surpreendeu com algum pedido ou cobrança?
Pepe: Nesses 100 dias, houve um período em que todos os dias eu estava lá, por uma razão ou outra... Grito da terra, ações emergenciais da seca, reuniões interministeriais. O Código Florestal, ela quis discutir artigo por artigo, inciso por inciso, letra por letra. Teve um fim de semana em que começamos sábado às duas da tarde e fomos até oito e meia da noite, e domingo, das duas da tarde às 10 e meia da noite, lá no Palácio da Alvorada. Por isso, a proposta ficou redonda.
Pioneiro: Como ficou o Código para a agricultura familiar?
Pepe: Ficou maravilhoso. A presidenta nunca teve dúvidas; nós temos que diferenciar o pequeno do grande, não podemos exigir o mesmo. Quem está resmungando é quem tem práticas agrícolas não-sustentáveis, a minoria dos produtores. Essa turma é que a bancada ruralista quer defender. Estão defendendo as piores práticas agronômicas do Brasil. As boas práticas estão contempladas. Nossa proposta, além de proteger a cobertura vegetal que está em pé, e não são apenas florestas, irá recuperar 30 milhões de hectares sem inviabilizar a produção agropecuária. Quem suprimiu cobertura vegetal em área que a lei não permitia vai ter de recuperar, ninguém vai ser anistiado, mas o pequeno vai ter de recuperar menos.
Pioneiro: Tem auxílio para isso?
Pepe: A recuperação, basicamente, é parar de lavrar onde não deve. Por exemplo, um pecuarista que cortou toda a mata ciliar, é só parar de plantar até a beira do rio, a vegetação vai vir ao natural. Se tiver de colocar uma cerca para o boi não pastar a arvorezinha que está nascendo, vai no Ministério e pega uma linha de crédito subsidiada.
Pioneiro: É mais difícil administrar Caxias ou o Ministério?
Pepe: São duas coisas de magnitudes diferentes. Aqui é o Brasil inteiro, um país com vários biomas: pampa, mata atlântica, cerrado, pantanal, Amazônia, caatinga... e realidades sociais distintas. Temos um número considerável de agricultores familiares muito pobres. Do Brasil Sem Miséria, que visa a tirar da extrema pobreza 16 milhão de brasileiros, metade está no meio Rural, especialmente no sertão do Nordeste.
Pioneiro: O que o senhor projeta para as eleições de 2014?
Pepe: Nada, por enquanto. Vai depender da presidenta. Tenho um compromisso com o governo. Só estou preocupado com o trabalho aqui. Se ela disser “vá, concorra”, eu concorro. Se disser “fica no governo”, eu fico no governo. Nunca fui um sujeito voo solo.
Pioneiro: Como ajudará na campanha de Marisa Formolo?
Pepe: Tenho ido aos finais de semana a Caxias, até porque minhas gurias estão aí. Agora, tem sábados que eu chego às quatro da tarde e saio às quatro de domingo. O volume de trabalho é muito grande, a carga horária é brutal. Vou te dar um exemplo: no feriadão de Corpus Christi, eu estava na Argentina para uma reunião da agricultura familiar do Mercosul. Nós exportamos o conceito. Somos referência. O programa Mais Alimentos está se internacionalizando. Estamos dando cooperação técnica para agentes de governos de países da África, América Latina e Caribe. Aprovamos na Câmara de Comércio Exterior uma linha de crédito de 675 milhões de dólares para linhas de crédito do Banco do Brasil a países que irão comprar tratores brasileiros. Provavelmente, os três primeiros serão Gana, Zimbábue e Cuba.
Pioneiro: A presença de cinco candidatos é melhor ou pior para a Marisa?
Pepe: É boa para Caxias. Nossa candidatura está no páreo, a Marisa tem toda a condição de ir para o segundo turno e, se formos, vamos procurar apoio dos partidos que têm perfil de centro-esquerda. Queremos estar com o PCdoB. Se o Assis for para o segundo turno, vamos apoiar o Assis. Nas duas eleições que disputou Marisa foi a deputada estadual mais votada de Caxias, foi vice-prefeita, foi prefeita em exercício e ajudou a construir um governo vitorioso e reconhecido pela população. E tem muita identidade política com o governador e a presidenta.
Pioneiro: O PCdoB e o PDT podem explorar essa proximidade.
Pepe: O PCdoB pode reivindicar uma identidade maior, porque sempre esteve conosco em eleições nacionais. O Alceu já não pode tanto. Na campanha, todo mundo viu o que ele dizia. Tem sido um deputado da base do governo Tarso, mas ao lado dele está todo mundo que é contra a Dilma e contra o Tarso. A população sabe identificar quem tem maior ou menor identidade. A identidade da Marisa com o Tarso e a Dilma é total, não é eventual. É partidária, não é conjuntural.
A desenvoltura com que discorre sobre ações, programas e linhas de crédito do MDA revela um Pepe totalmente adaptado e mergulhado na missão que Dilma Rousseff lhe incumbiu em março, virando a corrida eleitoral em Caxias de ponta cabeça.
Confira um trecho da entrevista concedida ao Pioneiro, em meio à extensa agenda da Rio+20 que impediu Pepe de passar o final de semana em Caxias e matar a saudade das “gurias” (as filhas Isadora e Gabriela e a mulher Ana Corso).
– A distância da família é o mais difícil de administrar – confessa.
Pioneiro: Quais as principais realizações destes 100 dias?
Pepe: Primeiro, as medidas emergenciais para mitigar os efeitos da seca no Sul e no Nordeste, a maior dos últimos 30 anos, e das enchentes no Norte. A segunda questão foi o recebimento das propostas e das reivindicações das entidades que representam os agricultores familiares, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar e a Via Campesina. Abril e maio são meses de mobilização, eles vêm em milhares de pessoas aqui, a gente senta, conversa, recebe a pauta e passa a trabalhar o atendimento dentro do governo. Tudo isso se materializa no Plano Safra 2012/2013, que anunciaremos no final deste mês ou começo de julho. A terceira questão foi a elaboração da proposta do governo para o Código Florestal, tema muito candente. Construímos junto com os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura e com a presidenta o veto à proposta aprovada na Câmara e a Medida Provisória para ocupar as lacunas do veto. Quarto, a organização para a Rio+20.
Pioneiro: Como é a relação com os movimentos sociais, como o MST?
Pepe: É importante dizer o seguinte: esse aqui não é o ministério da reforma agrária. É o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tem sob sua responsabilidade três grandes políticas no governo: a reforma agrária, o fomento e apoio à agricultura familiar e a regularização fundiária. A política nacional de reforma agrária é a que a imprensa mais fala, mas é nosso menor trabalho aqui. Por quê? Porque o maior volume de gente não está aí. Eu tenho 931 mil assentados e tenho 4,3 milhões de agricultores familiares para atender. Dos imóveis rurais no Brasil, 84% deles são de agricultores familiares.
Pioneiro: Qual o ritmo das desapropriações e assentamentos?
Pepe: No ano passado, 22 mil famílias foram assentadas. Este ano, vamos assentar em torno de 30 mil. Hoje, 11% do território brasileiro está ocupado por assentamentos agrários. Dias atrás emitimos R$ 200 milhões em títulos da dívida agrária para desapropriações. Depois de assentar, o Estado tem de fazer o desenvolvimento produtivo, as famílias têm de receber insumos. Temos assentamentos excelentes, que exportam, que produzem agroecologicamente. Mas temos assentamentos que não se desenvolveram porque foram colocados em terra com baixa aptidão agrícola e sem apoio. É um trabalho enorme. Vamos levar os projetos Minha Casa, Minha Vida, Água para Todos, Luz para Todos. Em uma ação conjunta do Incra, que é uma autarquia subordinada ao MDA, e do Ministério da Integração Regional, repassamos recursos ao governo do Rio Grande do Sul, que está perfurando poços para assentamentos antiquíssimos, em que aquele povo estava lá sem água.
Pioneiro: O que diferencia MDA e Ministério da Agricultura?
Pepe: O Ministério da Agricultura trabalha com a agricultura empresarial. Cuida do agronegócio. É responsável pela defesa agropecuária, pelo registro de bebidas e de alimentos, pela pesquisa agropecuária, a Embrapa está lá e cumpre papel importante, pelas políticas de estoques estratégicos. O agronegócio representa 16% dos estabelecimentos rurais brasileiros. Os 84% restantes estão na agricultura familiar, portanto, as políticas públicas de apoio a eles estão no nosso ministério. Na nossa região, 100% é agricultura familiar. É o censo agropecuário do IBGE quem diz: 70% dos alimentos consumidos pela população brasileira são produzidos pela agricultura familiar. E nossas políticas repercutem no urbano também. O MDA é um ministério de desenvolvimento econômico. Ao melhorar a produtividade, colocamos alimentos mais baratos e ajudamos a controlar inflação.
Pioneiro: Como desenvolver a agricultura familiar?
Pepe: Fundamentalmente, com crédito rural, pelo Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf). No crédito de investimento, a principal linha é o Pronaf Mais Alimentos, lançado em 2008. Financiamos até R$ 130 mil, dependendo da renda do agricultor. Ele tem 10 anos para pagar, até três anos de carência. A taxa de juros é 2% ao ano. A diferença entre o que o banco capta no mercado pela taxa Selic, que hoje é de 8,5%, e o que o agricultor paga, essa diferença quem banca somos nós. Outra linha de crédito é para custeio: até R$ 50 mil, para sementes, insumos, adubos. O juro hoje é de 4,5%. Tem muito agricultor que não pega e compra seus insumos, pois tem medo de ficar com dívida no banco. Se ele aplicasse o dinheiro dele na poupança e pegasse o financiamento, ele iria ganhar, pois a poupança remunera mais do que 4,5%. Tá, mas e se der uma zebra, uma seca, um granizo? Se houver perda, o seguro paga o financiamento no banco e ainda 65% da renda que ele iria ter, limitado a um teto de R$ 3.500,00. Também temos linhas de assistência técnica e extensão rural. Este ano vamos atender 450 mil famílias, diretamente, com nossos recursos. Falei de crédito, de assistência técnica, agora vem a comercialização. Este ano, induzimos compras governamentais de R$ 2,3 bilhões da agricultura familiar, pelo Programa de Aquisição de Alimentos, em que compramos estoques estratégicos, e pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Ministério da Educação.
Pioneiro: O que haverá de novo no Plano Safra?
Pepe: Vamos ter inovações importantes, que permitirão a um número maior de agricultores pegar o Pronaf. Vamos ampliar o enquadramento de renda, os tetos para financiamento de custeio e reduzir mais ainda a taxa de juros. Hoje é de 4,5%, e vai baixar. Outra questão importante: dar grande visibilidade para a assistência técnica na rota da sustentabilidade. É capacitar para a produção agroecológica e, àqueles que produzem de modo tradicional, estamos colocando em todos editais de chamada pública, a seleção da assistência técnica vai exigir o manejo sustentável, que envolve solo, água e insumos. O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo. Além do custo brutal para os agricultores, tem impacto ambiental elevadíssimo.
Pioneiro: Por que ações do ministério têm impacto na cidade e na indústria?
Pepe: O Mais Alimentos repercute na economia de nossa região. Sabes quantos tratores foram financiados entre 2008 e 2011? 44 mil, além de 4 mil caminhões ou veículos de transporte de carga e 300 colheitadeiras de grande porte. (O programa) Financiou R$ 8,5 bilhões, atendeu a 150 mil famílias. São 4 mil itens fabricados pela indústria. Todas essas compras viabilizadas pelo nosso crédito repercutem enormemente na economia de Caxias e região, que produz tratores, caminhões, autopeças e componentes para tudo isso. Nosso ministério, ao viabilizar esse crédito, põe injeção na veia direto na indústria. Compramos 1.275 retroescavadeiras e estamos doando para municípios com agricultura familiar forte. A licitação foi vencida por duas empresas: a JCB, de Sorocaba, e a Randon. Na sexta-feira, lançamos a portaria que abre processo de manifestação do interesse de municípios que tenham até 50 mil habitantes para receber retroescavadeiras. Vamos comprar mais 3.591. Vamos investir R$ 1,290 bilhão. Só na nossa região, 60 municípios podem se beneficiar. São ao todo 4.866 retroescavadeiras e 1.230 patrolas. Um total de 6.196 máquinas só esse ano, que vão atender 4.866 municípios. Dado muito importante: exigimos nessas licitações conteúdo nacional. Nenhuma máquina será importada. Queremos gerar emprego e renda na indústria brasileira. Nosso ministério melhora a vida no campo, mas gera um bocado de renda na cidade e de emprego na indústria também.
Pioneiro: Como manter o jovem no campo?
Pepe: Temos uma linha de crédito específica, o Pronaf Jovem, e o Programa Nacional de Crédito Fundiário. De 2003 a 2011, 93 mil agricultores financiaram compra de terra. Esse público, majoritariamente, é de jovens de até 28 anos. É aquele filho do agricultor que chega à vida adulta, vai casar e a terra da família é pouca para mais uma família produzir. Ele toma crédito, compra uma propriedade e cria uma nova unidade de produção familiar.
Pioneiro: O que é a Rede Brasil Rural?
Pepe: Um portal na Internet em que estamos cadastrando fornecedores de alimentos da agricultura familiar. Já temos mais de 500 associações ou cooperativas, que representam 200 mil agricultores, e a cada dia esse número aumenta. Lá tem todos os produtos que essas associações ofertam e cerca de 4 mil itens de insumos que fornecedores cadastram. As associações brasileiras de Supermercados e de Hotéis estão divulgando a Rede para seus associados. Por exemplo, uma grande rede de supermercados vai comprar o arroz orgânico de uma cooperativa de assentados da reforma agrária, perto de Nova Santa Rita, e colocar numa gôndola especial. É uma estratégia de comercialização.
Pioneiro: Isso vai crescer quando a internet atingir todo o meio rural. Hoje, não há sinal, por exemplo, em Criúva e Vila Oliva.
Pepe: Por isso, primeiramente, estamos pegando grupos associativos. Num segundo momento, à medida em que a banda larga for entrando, cada agricultor vai poder se cadastrar também. Nossa meta é chegar ao armazém virtual da agricultura familiar. Nós queremos que qualquer cidadão possa entrar no nosso portal e comprar. Como se fosse comércio eletrônico.
Pioneiro: Como é a relação com Dilma? Ela é crítica, dura e criteriosa como aparenta?
Pepe: Sim, ela é exigente, ela quer saber a consistência da proposta que tu levas para ela. Não basta ter ideia boa. A ideia é boa? Quanto custa? Qual é o benefício? Quem será beneficiado? Como será a operacionalização? Como será o monitoramento?
Pioneiro: Dilma já surpreendeu com algum pedido ou cobrança?
Pepe: Nesses 100 dias, houve um período em que todos os dias eu estava lá, por uma razão ou outra... Grito da terra, ações emergenciais da seca, reuniões interministeriais. O Código Florestal, ela quis discutir artigo por artigo, inciso por inciso, letra por letra. Teve um fim de semana em que começamos sábado às duas da tarde e fomos até oito e meia da noite, e domingo, das duas da tarde às 10 e meia da noite, lá no Palácio da Alvorada. Por isso, a proposta ficou redonda.
Pioneiro: Como ficou o Código para a agricultura familiar?
Pepe: Ficou maravilhoso. A presidenta nunca teve dúvidas; nós temos que diferenciar o pequeno do grande, não podemos exigir o mesmo. Quem está resmungando é quem tem práticas agrícolas não-sustentáveis, a minoria dos produtores. Essa turma é que a bancada ruralista quer defender. Estão defendendo as piores práticas agronômicas do Brasil. As boas práticas estão contempladas. Nossa proposta, além de proteger a cobertura vegetal que está em pé, e não são apenas florestas, irá recuperar 30 milhões de hectares sem inviabilizar a produção agropecuária. Quem suprimiu cobertura vegetal em área que a lei não permitia vai ter de recuperar, ninguém vai ser anistiado, mas o pequeno vai ter de recuperar menos.
Pioneiro: Tem auxílio para isso?
Pepe: A recuperação, basicamente, é parar de lavrar onde não deve. Por exemplo, um pecuarista que cortou toda a mata ciliar, é só parar de plantar até a beira do rio, a vegetação vai vir ao natural. Se tiver de colocar uma cerca para o boi não pastar a arvorezinha que está nascendo, vai no Ministério e pega uma linha de crédito subsidiada.
Pioneiro: É mais difícil administrar Caxias ou o Ministério?
Pepe: São duas coisas de magnitudes diferentes. Aqui é o Brasil inteiro, um país com vários biomas: pampa, mata atlântica, cerrado, pantanal, Amazônia, caatinga... e realidades sociais distintas. Temos um número considerável de agricultores familiares muito pobres. Do Brasil Sem Miséria, que visa a tirar da extrema pobreza 16 milhão de brasileiros, metade está no meio Rural, especialmente no sertão do Nordeste.
Pioneiro: O que o senhor projeta para as eleições de 2014?
Pepe: Nada, por enquanto. Vai depender da presidenta. Tenho um compromisso com o governo. Só estou preocupado com o trabalho aqui. Se ela disser “vá, concorra”, eu concorro. Se disser “fica no governo”, eu fico no governo. Nunca fui um sujeito voo solo.
Pioneiro: Como ajudará na campanha de Marisa Formolo?
Pepe: Tenho ido aos finais de semana a Caxias, até porque minhas gurias estão aí. Agora, tem sábados que eu chego às quatro da tarde e saio às quatro de domingo. O volume de trabalho é muito grande, a carga horária é brutal. Vou te dar um exemplo: no feriadão de Corpus Christi, eu estava na Argentina para uma reunião da agricultura familiar do Mercosul. Nós exportamos o conceito. Somos referência. O programa Mais Alimentos está se internacionalizando. Estamos dando cooperação técnica para agentes de governos de países da África, América Latina e Caribe. Aprovamos na Câmara de Comércio Exterior uma linha de crédito de 675 milhões de dólares para linhas de crédito do Banco do Brasil a países que irão comprar tratores brasileiros. Provavelmente, os três primeiros serão Gana, Zimbábue e Cuba.
Pioneiro: A presença de cinco candidatos é melhor ou pior para a Marisa?
Pepe: É boa para Caxias. Nossa candidatura está no páreo, a Marisa tem toda a condição de ir para o segundo turno e, se formos, vamos procurar apoio dos partidos que têm perfil de centro-esquerda. Queremos estar com o PCdoB. Se o Assis for para o segundo turno, vamos apoiar o Assis. Nas duas eleições que disputou Marisa foi a deputada estadual mais votada de Caxias, foi vice-prefeita, foi prefeita em exercício e ajudou a construir um governo vitorioso e reconhecido pela população. E tem muita identidade política com o governador e a presidenta.
Pioneiro: O PCdoB e o PDT podem explorar essa proximidade.
Pepe: O PCdoB pode reivindicar uma identidade maior, porque sempre esteve conosco em eleições nacionais. O Alceu já não pode tanto. Na campanha, todo mundo viu o que ele dizia. Tem sido um deputado da base do governo Tarso, mas ao lado dele está todo mundo que é contra a Dilma e contra o Tarso. A população sabe identificar quem tem maior ou menor identidade. A identidade da Marisa com o Tarso e a Dilma é total, não é eventual. É partidária, não é conjuntural.
MÁRCIO SERAFINI
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